O FENÔMENO E A ESTRUTURA: DO DIAGNÓSTICO DESORIENTADO AO DIAGNÓSTICO ORIENTADO PELA PSICANÁLISE (por Humberto Moacir de Oliveira e Tiago Iwasawa Neves)

O título desse trabalho nos lança a uma questão de importante valor para o campo da psicanálise e de tudo o que vem sendo chamado hoje de saúde mental, a saber, a orientação de um diagnóstico. Definimos através desse título dois tipos de diagnóstico, um diagnóstico desorientado e outro orientado pela ética da psicanálise. No entanto, é provável que existam diagnósticos que sigam outras orientações, ou seja, que apesar de não serem desorientados não são orientados pela psicanálise. Essa observação poderia nos levar a propor uma divisão mais branda, apenas distinguindo os diagnósticos desorientados de todos os outros que fossem orientados por uma abordagem teórica. Porém, por acreditar que uma teoria não garante a orientação diagnóstica, optamos por manter a divisão inicial e dessa forma destacarmos a posição dos autores que adotam a ética da psicanálise como única orientação para suas práticas clínicas.

Feito as primeiras considerações, é relevante apontar aqui o número crescente de demanda de diagnóstico nos mais diversos serviços de saúde mental, da clínica particular às unidades básicas de saúde, passando pelos serviços prestados em escola e em empresas particulares e públicas, todos querendo saber em qual diagnóstico o filho, o estudante, o funcionário ou o paciente, se encaixa. O diagnóstico cumpre assim a função que Miller & Milner (2006) chamam de batismo burocrático. Sobre qual prisma é feito esse batismo? Qual a orientação sustentada? Existe orientação? O que é uma orientação? Eis as principais perguntas que nos dispomos a desenvolver aqui.

Para grande parte dos processos avaliativos na rede de saúde, nos planos médicos e nas clínicas psiquiátricas, a principal orientação que encontramos são os manuais, não de psiquiatria, como alerta Quinet (2009), mas de diagnóstico. Temos nessa pseudo-orientação o principal modelo do que chamaremos nesse artigo de diagnóstico desorientado. Se o manual não é de psiquiatria e, mais do que isso, se os próprios autores desses manuais dizem buscar uma orientação a-teórica, é porque não há orientação nenhuma. Quando muito, podemos dizer que a orientação se dá pela descrição do fenômeno, o que não leva em conta o modo de funcionamento do sujeito. É o que leva Foucault (2004) a nomear esses procedimentos classificatórios de jardim das espécies, ou seja, uma classificação muito apropriada para a botânica ou para o zoológico, mas pouco útil para uma clínica que inclua o sujeito. Esse tipo de metodologia classificatória, que gostaríamos de chamar aqui de diagnósticos desorientados, tem como melhores representantes a série de DSM’s (Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Norte-Americana de Psiquiatria), atualmente em sua 4ª. Edição, e a CID (Classificação Internacional de Doenças), hoje em sua 10ª. Edição.

Ao lado dessas perspectivas diagnósticas francamente a-teóricas, e, por isso, desorientadas, temos as avaliações que usam, nas palavras de Miller & Milner (2006), uma roupagem científica, mas que não é ciência. Nesses casos, são as estatísticas que agrupam os fenômenos em um ou outro diagnóstico e novamente estamos em um campo de exclusão do sujeito. O contexto destas práticas está mais alinhado a uma perspectiva utilitarista e menos a uma perspectiva propriamente científica. Nesse sentido, esses métodos, tomam o conceito de ciência como equivalente de eficácia, e eficácia como sinônimo de utilidade. E mais, tomam o sujeito como algo a ser objetivado cientificamente, se esquecendo de que, por definição, um sujeito “se estabelece quanto ao direito e não quanto ao fato, por isso ‘observar’ o sujeito, buscá-lo na objetividade, é não querer encontrá-lo” (Miller, 1998b, p.234). Com efeito, a partir desta perspectiva, a direção do diagnóstico fica condicionada a uma simples questão de métodos que medem competências e que se adequariam pseudocientificamente à realidade ou, mais precisamente, a uma dada concepção de normatividade.

Por isso, a primeira advertência a ser feita é quanto à precaução que devemos ter para não acreditarmos que o problema em torno do diagnóstico e de sua validade prática se coloca em função de um utilitarismo imaginário, aonde classificar nos ajudaria por si só a sermos mais eficazes terapeuticamente. Pelo contrário, a classificação pode, mesmo que feita com critérios ditos rigorosos ou científicos, servir mais para tamponar o sujeito do que para fazê-lo emergir no decurso de um tratamento clínico.

Assim, não são os métodos técnicos que irão garantir uma orientação diagnóstica. Será somente através de uma discussão sobre a estrutura do sujeito e como ele exerce sua entrada na cultura, ou seja, como se posiciona como ser humano e como ele se inventa diante do mundo simbólico em que está inserido, é que poderemos pensar sobre a validade ou não de um diagnóstico. Como essa entrada na cultura se dá através da passagem do sujeito pelo o que Freud chamou de Édipo, e não pelo recebimento de um nome científico do psiquiatra, podemos dizer que a psicanálise pretere o batismo burocrático em favor do que chamaremos aqui de batismo edípico, que é o ponto que justifica o diagnóstico em psicanálise. Mas o que nessa posição edípica coloca a psicanálise do lado dos diagnósticos orientados e a torna contrária aos diagnósticos desorientados? Podemos dizer que é a passagem da descrição do fenômeno à leitura da estrutura; a passagem da observação do comportamento à pesquisa do modo de funcionamento do sujeito.

Foi essa preocupação com a estrutura que levou a psicanálise, ainda hoje, a manter os mesmos diagnósticos propostos em sua construção, enquanto a medicina psiquiátrica amplia sua nosologia a cada nova edição de um manual. Para Quinet (2009), se as formas dos sintomas mudam de acordo com o discurso dominante da civilização, as estruturas que determinam esses sintomas permanecem sendo as mesmas, pois se baseiam na maneira como o sujeito lida com a falta inscrita em sua subjetividade, maneira essa que determina a posição do sujeito frente ao sexo, ao desejo, a lei, a angústia e a morte. Em outras palavras, “o ‘invólucro formal do sintoma’ varia segunda a época: a histeria muda de cara, a psicose de vestes, a obsessão de idéias.” (QUINET, 2009, p.10).

Mas se o invólucro formal do sintoma tende a variar, as estruturas tendem a permanecerem as mesmas. É isso o que faz Freud não abdicar do diagnóstico ao mesmo tempo em que não se limita em fazer descrição e agrupamento de sintomas. O próprio Freud (1912/1969b), ao tecer seus comentários a respeito das recomendações técnicas para a direção do tratamento psicanalítico, diz ser necessário a todo início de tratamento levar em consideração o problema do diagnóstico, usando as entrevistas preliminares como instrumento capaz de proporcionar a identificação da estrutura clínica do sujeito. Sem se preocupar em nomear os invólucros formais do sintoma que, como foi dito, tendem a variar segundo os avanços e desventuras da civilização, Freud se preocupa em identificar as estruturas que determinam o funcionamento do sujeito e de seus sintomas, e que tendem a permanecerem as mesmas. Vemos assim que a psicanálise não se esquiva do problema do diagnóstico nem o despreza como alguns psicanalistas atuais podem fazer acreditar. Pelo contrário, as recomendações de Freud sugerem que negligenciar a referência psicanalítica às estruturas clínicas é trocar a desorientação do diagnóstico por uma desorientação do tratamento.

Essa proposta psicanalítica de diagnosticar a partir da estrutura é coerente com a posição freudiana quanto à relação entre a psicanálise e a psiquiatria. Para Freud (1915/1969c), não é preciso que a psicanálise rivalize com a psiquiatria ou a ela se oponha. Pelo contrário, o pai da psicanálise inclusive sugere que a relação entre essas duas disciplinas deveria ser comparável a relação existente entre a histologia e a anatomia, enfim, enquanto uma estuda os tecidos e sua trama, a outra pesquisa suas formas exteriores. Portanto, a psicanálise freudiana tende mais a somar do que a substituir a psiquiatria clássica. Por isso, Freud não despreza as entidades clínicas da medicina, pelo contrário, é a partir da nosografia da psiquiatria clássica é que ele constitui sua própria nosografia. Isso porque, embora a nomenclatura tenha sua força significante, e sabemos dos esforços de Freud para alterar os termos psiquiátricos propostos por Bleuler e Kraepelin à esquizofrenia, a nomenclatura importa menos do que a estrutura que subjaz por trás dos nomes propostos.

As categorias que utilizamos hoje provêm da psiquiatria clássica: neurose, perversão e psicose, esta última repartida em dois grandes tipos, esquizofrenia e paranóia. A cada uma dessas categorias podemos fazer corresponder um nome na história pré-psicanalítica. Para a paranóia, Kraepelin, para a esquizofrenia, Bleuler, para a perversão, Krafft-Ebing e para a neurose, Charcot. (SOLER, C. apud Quinet, 2009)

No entanto, essa relação entre a psicanálise e a psiquiatria parece não ter se sustentado com os avanços da psiquiatria atual afetada principalmente pelo desenvolvimento farmacológico.  Assim, os manuais atuais não apenas acrescentaram um número assustador de entidades nosológicas oriundas da nova descrição dos fenômenos que se guia pelos remédios que podem eliminá-los, como também suprimiram desses livros os tipos clínicos da neurose; além, é claro, de subscreverem todo o campo da psicose, no qual constava a paranóia e a melancolia, na alcunha de esquizofrenia. Essas mudanças no campo da psiquiatria atual sugerem que os novos teóricos da chamada saúde mental estão mais preocupados com a forma exterior da doença do que pelos tecidos e tramas que dão forma a patologia. O psicanalista francês Jacques Lacan, aluno de Gatian de Clérambault, chega a propor a busca dessa relação almejada por Freud entre psiquiatria e psicanálise, mantendo em sua teoria a mesma divisão proposta por Freud. Porém, seu ensino deixa transparecer que essa relação só é possível se nos sustentarmos na psqiquiatria clássica, portanto, teórica, e não nos manuais de diagnósticos e estatisticas, a-teóricos por príncipio.

 

Como podemos percceber em Lacan, a psicanálise, buscando conhecer, a partir das formas exteriores apresentadas pela psiquiatria clássica, as estruturas interiores que tramam os fenômenos patológicos, acabou por constituir uma ética própria que a orienta. Isso significa que a psicanálise quando fala de ética não se refere a uma universalidade dos costumes, tão menos a uma generalidade da ação e do comportamento. O que realmente importa é a dimensão da ética própria à psicanálise, ou seja, aquela que se coloca segundo os dizeres de Lacan sob o prisma do desejo do analista. Ora, não é exatamente esse o problema que ele coloca em seu seminário sobre a ética, que não se trata da ética dos filósofos, mas antes somente da ética da psicanálise?  Como alerta Miller, a ética da psicanálise seria mesmo contrária a ilusão filosófica da ética para todos, pois “só há ética relativa, isto é, específica ao discurso” (Miller, 1996, p.109). Eis, portanto, a postura ética da psicanálise: não tomar o sujeito e o seu sofrimento como uma categoria técnica. “Na análise, contudo, as questões técnicas são éticas, por um motivo muito preciso: nela nos dirigimos ao sujeito. A categoria do sujeito é ética e não técnica” (Miller, 1998a, p.221).

Se a postura ética da psicanálise consiste em não tomar o sujeito e o seu sofrimento como uma categoria técnica, é porque a condução do seu tratamento e o diagnóstico que orienta essa condução não visam classificar o sujeito para inseri-lo no rol dos diagnosticados, mas sim, de pensar esse sujeito a partir de um funcionamento psíquico estruturado, para com isso intervir não no sentido de normatizá-lo, mas, pelo contrário, no sentido de usar as características de cada estrutura para fazer com que esse sujeito torne-se singular. Por isso, o diagnostico psicanalítico não tem importância fundamental para a medicalização, mesmo entre psicanalistas psiquiatras. Isso porque os remédios não curam ou alteram as estruturas, e sim os sintomas. O antipsicótico não deve ser usado para tratar a psicose, da mesma maneira que um ansiolítico não deve ser usado para tratar uma histeria de angústia ou uma neurose obsessiva. Os remédios, no olhar da psicanálise, não são tentativas de cura, mas maneiras de conter o fenômeno sintomático, maneira essa que, embora possa auxiliar um tratamento, muitas vezes pode vir a esconder e calar o sujeito, uma vez que é através do sintoma que ele faz sua aparição clínica. Nesse sentido, um antipsicótico é usado para tratar os ditos sintomas positivos da doença, como alucinação e delírio, e não para tratar as condições fundamentais da estrutura psicótica que diz respeito a sua dificuldade no laço social e seu investimento libidinal, assim como sua não inserção no Simbólico.

Para evitar fazer do diagnostico apenas uma etiqueta do batismo burocrático guiado pelos discursos civilizatórios do Mestre e da Universidade, é preciso que pensemos em termos de estrutura e de funcionamento psíquico que é o mesmo de pensarmos em termos de constituição do sujeito. Essa é a orientação do diagnóstico em psicanálise e para isso é preciso que pensemos não apenas o método de se fazer um diagnóstico, mas também o uso que faremos dele. Independentemente do método utilizado, e aqui, como em toda a prática da psicanálise, não importa a técnica, mas sim a ética, é preponderante evitarmos usar o diagnóstico, estrutural ou fenomenológico, para tirar do sujeito seu traço único e colocá-lo numa condição de um entre outros. Pelo contrário, o objetivo deve ser sempre de subjetivá-lo, guiando nossa escuta mais na direção de aprender sobre a estrutura universal a partir da escuta clínica do caso único, do que de ensinar ao analisando singular qual é ou deveria ser sua condição na universalidade.

Nessa perspectiva, o que encontramos hoje é os diagnósticos tornando-se cada vez mais desorientados, uma vez que pretendem atender a qualquer custo a todas as demandas de mediagnosticalização, para empregar um neologismo que condensa os verbos diagnosticar e medicalizar. Na busca de inventar métodos de mediagnosticalização, várias abordagens psicológicas e psiquiátricas acabam se desorientando não apenas por carecer de uma teoria consistente sobre a estrutura do sujeito, mas também por não encontrarem um encaminhamento dos resultados que não seja o furor pela normatização do ser. Muitas vezes, os diagnósticos, principalmente os construídos a partir dos manuais atuais já citados, o DSM e a CID, são usados apenas como uma tentativa de resgatar o momento mítico pré Babel, onde todos falavam a mesma língua sem dar espaço para o mal entendido. O ganho nesse caso não é revertido para o tratamento, e sim, como aponta Quinet (2009), para a comunicação dos fenômenos entre colegas. Se ganha, supostamente, em comunicação e conhecimento, mas se perde em saber e tratamento. Foi isso o que fez os promotores do DSM III dizerem, nos anos 80, que seu manual, por ultrapassar a falta de acordo entre os teóricos do sofrimento psíquico, representava uma revolução científica. Mas a pergunta feita pelo STOP DSM[1], movimento político internacional que defende uma psicopatologia clínica que barre o futuro DSM V como único critério de diagnóstico, é como pode haver uma revolução científica, sem teoria, o que é o mesmo que dizer, sem ciência. Preferir um instrumento avaliativo que almeje o máximo de descrição (um único paciente pode receber vários nomes e números diagnósticos) e um mínimo de margem de erro (no fim todos se enquadram em algum número), é optar por uma clínica em que “toda e qualquer hipótese etiopatogênica é excluída” (QUINET, 2009), o que provoca o desaparecimento do próprio conceito de doença, uma vez que esta não deixa de estar vinculada a um processo cujo funcionamento, causa e função, se espera conhecer um dia.

Diante do que foi exposto nos parágrafos anteriores, depreende-se uma conclusão fundamental: a psicanálise se define como a clínica do sujeito. Tal como afirmou Lacan (1966/1998): o sujeito é a matéria única do trabalho analítico. Isso significa que na formação de um analista o que está em jogo não é a aquisição de competências técnicas que impliquem um saber sobre o sujeito, uma vez que esta perspectiva é contrária ao que a psicanálise se propõe, a saber, tratar cada caso como sendo único, e ainda, como se fosse o primeiro.

Portanto, é injustificável o estabelecimento de um critério técnico de como chegar a um diagnóstico fenomenológico, uma vez que o problema da saúde mental, em seus mais variados níveis, não se atém a um domínio orgânico, onde a doença só aparece a partir do momento em que se verifica um mau funcionamento dos órgãos. Ao contrário, a estrutura clínica não determina um valor para o sintoma do sujeito. Sabemos que o sintoma para a psicanálise não é índice de déficit orgânico; este somente irá provocar desprazer a partir do momento em que um posicionamento subjetivo estiver em jogo. Assim, a psicanálise ao considerar o problema do sujeito, exclui a idéia de uma clínica de cunho cientificista, cujo objetivo não é outra coisa senão a tentativa de padronizar técnicas diagnósticas – nomeadas por si mesmo de científicas – como ferramentas fundamentais na elaboração da direção do tratamento em detrimento do caso único. Consequentemente, a psicanálise reforça a impossibilidade da prática clínica se constituir sob a égide de um manual técnico a-teórico baseado em dados epidemiológicos como vemos acontecer nas diversas atualizações dos DSM’s.

Lembremo-nos, no entanto, de que nossa atitude perante a vida não deve ser a do fanático por higiene e terapia. Devemos admitir que a prevenção ideal de enfermidades neuróticas, que temos em mente, não será vantajosa para todos os indivíduos. (Freud, 1910/1969a, p.135).

Vemos nesta passagem, Freud evocar a dimensão ética da psicanálise, admitindo que o problema de uma saúde psíquica para todos não deve ser o objetivo do psicanalista. Aqui, vale lembrar a advertência de Miller & Milner (2006) que salientam que quando falamos em saúde pública não estamos falando de um dispositivo estatal que deva funcionar à revelia da vida privada. Para os autores estaríamos errados em dizer saúde pública, pois a saúde a que nos referimos é, ou deveria ser, a saúde privada de cada sujeito, o serviço é que deveria ser público. O campo da saúde mental nos ajuda a destacar essa diferença uma vez que saúde mental só pode ser a saúde de cada um. “Quer dizer, o que há de mais privado no privado.” (MILLER & MILNER, 2006, p.31). Entrevê-se, deste modo, que a prática do analista não deve se orientar pela aquisição ilusória de um conhecimento técnico sobre o sujeito, cuja apresentação não se faz a partir de um quadro generalista, público, e com pretensões universalizantes.

Eis um obstáculo epistemológico severo que a psicanálise impõe ao campo supostamente objetivo da avaliação psicológica: o próprio sujeito a ser avaliado. Podemos assim, identificar a avaliação psicológica e seu estado atual em nossa sociedade ao discurso do mestre, ou seja, à dimensão onde se supõe uma identificação do sujeito por meio de significantes mestres, que neste caso, não seriam outra coisa senão as múltiplas categorias clínicas. Segundo Miller, “o discurso do mestre produz um certo número de categorias clínicas. Quando se formula que a obesidade é o mal do século, depois de se ter formulado que a depressão é o mal do século, temos uma clínica do mestre à qual somos, evidentemente, levados a nos alinhar” (MILLER, 2011, p.20). Com efeito, o axioma lacaniano que afirma que a psicanálise é o avesso do discurso do mestre adquire todo seu peso, uma vez que o discurso analítico não proclama ao mundo um conhecimento categórico sobre o obeso e o depressivo. Quanto ao mal do século sabemos, a partir da psicanálise, que ele não se trata de uma categoria ou nosografia, mas sim de uma tentativa de normatização do sujeito ferozmente propagandeada a todo vapor em nossa sociedade do happinness.                                           

Concluímos, portanto, que é preciso que a avaliação psicológica, tema da Semana da Psicologia da Faculdade Pitágoras no ano de 2011, seja pensada sempre em termos estruturais, mais do que fenomenológicos ou descritivos, pois não há justificativa de se avaliar e classificar um sujeito sem apresentar uma teoria pautada no funcionamento mental do ser. Nos termos que propomos aqui, toda e qualquer avaliação que não apresentar uma visão do homem e dos efeitos de sua inserção na cultura deverá ser colocada ao lado dos manuais aqui supracitados e receberem o nome de diagnóstico desorientado. Dentre os diagnósticos orientados, destacamos a nosografia psicanalítica que, embora se baseie na psiquiatria clássica, procura pensar o homem em sua estrutura, efeito de sua entrada na cultura e no Simbólico, através do que a teoria freudiana propõe como sendo a passagem pelo Édipo.

Referências Bibliográficas

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MILLER, J.-A. & MILNER, J.-C. (2006). Você quer mesmo ser avaliado? São Paulo: Manole.

QUINET, Antônio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e melancolia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.


1 Comentário

  1. 31/10/2011 às 13:12

    Texto apresentado na II Semana de Psicologia da Faculdade Pitágoras de Ipatinga


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